terça-feira, 11 de setembro de 2007

Série Mulhes Notáveis - SOPHIA

Estátua de Sophia no Parque dos Poetas, em Oeiras, Portugal


SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Poetisa portuguesa de origem dinamarquesa, nasceu na cidade do Porto, Portugal, a 06 de novembro de 1919.
Desde o livro de estréia, "Poesia", de 1944, Sophia anunciava as principais características da sua arte poética: um rigor clássico traduzido numa enorme simplicidade de linguagem para dizer a aliança do ser com o mundo através de imagens nítidas como a terra, o vento, a bruma, o jardim, o sol e o mar.

É também autora de textos em prosa, nomeadamente Contos Exemplares (1962), Histórias da Terra e do Mar e os contos para crianças A menina do Mar e O Cavalheiro da Dinamarca.
Esteve muito cedo ligada à luta antifascista, e escreveu poemas de resistência política, que foram reunidos na antologia Grades (1970). Após a Revolução dos Cravos, foi deputada à Assembléia Constituinte.
Reconhecida internacionalmente, aqui no Brasil teve seus poemas recitados, entre outros, por Maria Bethânea, no CD “O Mar de Sophia”.
Recebeu diversos prêmios literários e faleceu na mesma cidade onde nasceu, a 02 de julho de 2004

A seguir um dos textos mais profundos de SOPHIA:

AS GRUTAS


O esplendor poisava solene sobre o mar. E - entre as duas pedras erguidas numa relação tão justa que é talvez ali o lugar da Balança onde o equilíbrio do homem com as coisas é medido - quase me cega a perfeição como um sol olhando de frente.

Mas logo as águas verdes em sua transparência me diluem e eu mergulho tocando o silêncio azul e rápido dos peixes. Porém a beleza não é solene mas também inumerável. De forma em forma vejo o mundo nascer e ser criado.

Um grande rascasso vermelho passa em frente a mim que nunca antes o imaginara. Limpa, a luz recorta promontórios e rochedos. É tudo igual a um sonho extremamente lúcido e acordado. Sem dúvida um novo mundo nos pede novas palavras, porém é tão grande o silêncio e tão clara a transparência que eu muda encosto a minha cara na superfície das águas lisas como um chão.As imagens atravessam os meus olhos e caminham para além de mim.

Talvez eu vá ficando igual à almadilha da qual os pescadores dizem ser apenas água.Estarão as coisas deslumbradas de ser elas? Quem me trouxe finalmente a este lugar?

Ressoa a vaga no interior da gruta rouca e a maré retirando deixou redondo e doirado o quarto de areia e pedra.

No centro da manhã, no centro do círculo do ar e do mar, no alto do penedo, no alto da coluna está poisada a rola branca do mar.

Desertas surgem as pequenas praias.Eis o mar e a luz vistos por dentro. Terror de penetração na habitação secreta da beleza, terror de ver o que nem em sonhos eu ousara ver, terror de olhar de frente as imagens mais interiores a mim do que o meu próprio pensamento.

Deslizam os meus ombros cercados de água e plantas roxas. Atravesso gargantas de pedra e a arquitectura do labirinto paira roída sobre o verde. Colunas de sombra e luz suportam céu e terra. As anémonas rodeiam a grande sala de água onde os meus dedos tocam a areia rosada do fundo.

E abro bem os olhos no silêncio líquido e verde onde rápidos, rápidos fogem de mim os peixes. Arcos e rosáceas suportam e desenham a claridade dos espaços matutinos. Os palácios do rei do mar escorrem luz e água.

Esta manhã é igual ao princípio do mundo e aqui eu venho ver o que jamais se viu.O meu olhar tornou-se liso com um vidro. Sirvo para que as coisas se vejam.E eis que entro na gruta mais interior e mais cavada. Sombrias e azuis são águas e paredes.

Eu quereria poisar como uma rosa sobre o mar o meu amor neste silêncio. Quereria que o contivesse para sempre o círculo deespanto e de medusas. Aqui um líquido sol fosforescente e verde irrompe dos abismos e surge em suas portas.

Mas já no mar exterior a luz rodeia a Balança. A linha das águas é lisa e limpa como um vidro. O azul recorta os promontórios aureolados de glória matinal.

Tudo está vestido de solenidade e de nudez.

Ali eu quereria chorar de gratidão com a cara encostada contra as pedras.


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