quinta-feira, 27 de agosto de 2009

PANELAÇO



Bachelard observou que “a lembrança pura não tem data. Tem uma estação. É a estação que constitui a marca fundamental das lembranças. Que sol ou que vento fazia nesse dia memorável?”
Compreendi as palavras de Bachelard ao me lembrar daquele dia memorável, que não pode ser esquecido. Era o fim de tarde, quando a luz do dia que se vai se mistura com o escuro da noite que chega e tudo fica indefinido. A indefinição ficava mais indefinida ainda pela chuva fina que começava a cair.
Foi então que aconteceu: um barulho surdo, metálico, sem melodia e sem ritmo, começou a subir das ruas, dos apartamentos, dos escritórios, barulho que não combinava com o momento... Fiquei assustado porque não tinha na minha memória registro de qualquer barulho urbano que se assemelhasse àquele que enchia a tarde-noite de São Paulo. Eu estava no quinto andar. Tomei o elevador para o térreo. Queria saber o que estava acontecendo. Quando, no térreo, saí à rua, os rostos sorridentes dos motoristas de táxi me fizeram lembrar. Os motoristas cansados, ao fim do dia, usam as buzinas para exprimir sua irritação. E eles estavam buzinando sem parar, mas sem que houvesse nenhuma razão de tráfego para tal. Suas buzinas não eram irritadas. Buzinavam e sorriam. Parecia que estavam felizes. Aí me lembrei e entendi. Olhei para cima e vi de onde vinha o barulho metálico: as janelas e varandas dos apartamentos estavam cheias de pessoas que batiam panelas com colheres. O barulho era ensurdecedor e lindo, musicalmente... Aquele barulho era o canto de um povo. A chuva caia um pouco mais forte, mas as pessoas que andavam pelas ruas não demonstravam contrariedade. Elas sorriam com a água a lhes escorrer pelo rosto. Era o panelaço: uma cidade sem armas que buzinava e batia tampas e panelas para derrotar um exército armado, à semelhança do ocorrido na cidade de Jericó cujas muralhas caíram pelo som das trombetas.Chorei e me disse: “É muito bonito! Uma estória para ser contada e repetida! As crianças precisam saber...” E foi ali que se formou na minha imaginação a estória que escrevi O flautista mágico .No artigo “Os Pássaros”, dirigido às crianças, publicado no dia 21.07.09 nessa sessão, eu sugeri que, olhando para nossos sólidos representantes no congresso, um escorando o outro, fica claro que a maioria deles não está disposta a trocar seu menu de costeletas, lombos e lingüiças por uma modesta dieta vegetariana de alface e cenoura... Numa alusão ao filme do Hitchcock, eu disse que era preciso chamar os pássaros... Eles só sairão do castelo de impunidade onde se encontram se os pássaros os obrigarem.Pássaros fomos nós, naquela tarde do panelaço contra a ditadura. Pássaros poderemos ser nós, agora...Recebi agora, via internet, a convocação dos pássaros, um manifesto do qual vou citar alguns trechos.“Esta é a hora: 7 de setembro às 17 horas! (...) No dia 7 de setembro às 17 horas vamos paralisar o Brasil. Às 17 horas vamos promover um panelaço! Exija que as redes de televisão, rádios, jornais, revistas e o político de sua confiança divulguem esse movimento. Mobilize sua escola, seu sindicato, sua igreja, seus amigos. No dia 7 de setembro, às 17 horas, estenda na janela uma bandeira, uma toalha, um pano qualquer! Bata panelas! Toque cornetas! Se você estiver no carro, buzine! Vamos fazer a nação tremer por um minuto!” As hienas e os gambás fugirão dos pássaros!Eu vou buzinar, vou tocar sino, vou bater tampa e panela, estender bandeira, tocar a Nona Sinfonia... Ninguém poderá dizer que eu morri sem espernear...
CHEGOU A HORA
Autor do texto: Rubens Alves
Imagem da NET

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Woodstock 40 anos





O festival woodstock completou neste último sábado (15/08) 40 anos de muita história.
O festival de música de Woodstock aconteceu no interior dos Estados Unidos em 1969 e é até hoje considerado o maior evento musical de todos os tempos.
Ao contrário do que muitos pensam, o festival não aconteceu na cidade de nome Woodstock, e sim em Bethel, que ficava a uma hora e meia de distância.
Milhares de pessoas se reuniram em uma fazenda “Max Yasgur” para celebrar o festival com “sexo, drogas e rock n´roll” “paz e amor” ao som de Jimi Hendrix e outros astros da música.



Domingo, 17 de agosto de 1969. O sol já baixava sobre a fazenda de Max Yasgur em Bethel, Nova York, quando Jimi Hendrix subiu ao palco, encarregado de encerrar o Woodstock, maior festival de rock da história. Pouco antes do fim do show, durante a faixa "Purple Haze" - que faz alusão ao consumo de LSD -, o guitarrista fez sinal para que a banda parasse de tocar e o deixasse a sós com sua guitarra e seu público. Em poucas notas, fez cair o queixo do mundo. Ligou a distorção no limite do suportável e dedilhou os primeiros acordes do hino nacional norte-americano, rasgado por berros de guitarra, tão distorcidos que lembravam o som de bombas, metralhadoras, gritos; guerra. Hendrix manchou a bandeira dos Estados Unidos de sangue sem dizer uma palavra.(Gabriel Rocha Gaspar)



Ninguém tinha mais de 30 anos entre os 400 mil jovens que acamparam durante três dias, comendo, bebendo, dormindo e fazendo amor ao ar livre. E fumando maconha.

Quem esteve em Woodstock de 15 a 17 de agosto de 1969 afirma que foi a maior manifestação de paz de todos os tempos. Para as más línguas, a descontração foi resultado do enorme consumo de drogas praticado durante o evento pelos jovens representantes da "geração das flores".

O que estava planejado era algo totalmente diferente. Os quatro jovens de Bethel, no estado de Nova York, que alugaram para o festival de rock ao ar livre a propriedade rural de Max Yasgur, de 250 hectares, contavam com no máximo uns 80 mil hippies.

Mas, ainda antes de a festa começar, não parava de chegar gente para ouvir The Who, Jimmy Hendrix, Joan Baez, Crosby, Stills & Nash, Jefferson Airplane e muitos outros mais que haviam confirmado presença. Logo foi preciso desmontar as cercas da fazenda, o que ocorreu com toda a calma, porque o pessoal não era de arruaça.

Max Yasgur não cabia em si de contentamento: "Sou um simples camponês. Não sei como falar para tanta gente. Esta é a maior multidão que já se reuniu num lugar. Mas acho que vocês provaram uma coisa para o mundo: que é possível que meio milhão de pessoas se reúnam para ouvir música e se divertir durante três dias — só música e divertimento". (Jens Thurau)

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

PASSAGEIROS E TRIPULANTES


Durante minha vida como executivo enfrentei milhares de reuniões de todo tipo.
No começo da carreira, jovem e inexperiente, eu admirava a habilidade com que aqueles altos executivos tomavam decisões. Que beleza! Será que um dia eu seria como eles?

E a cada convocação para uma reunião eu ficava orgulhoso. Pô, eu fazia
parte do esquema!
Com o tempo fui reparando que a maioria das reuniões era confusa, sem um
objetivo claro. Uma perda de tempo. E um dia virei chefe e passei a
ter a responsabilidade por convocar e conduzir reuniões. Foi então que
refinei minha capacidade de reparar no espírito de participação das
pessoas, em quem falava mais, quem estava bem humorado, quem atuava
ativamente. A atitude de cada um era o que me interessava. Aprecio gente
que opina, que defende seus pontos de vista, ao contrário daqueles que
entram mudos e saem calados, ou os que enfadonhamente estampam no
rosto o suplício de ter que participar de uma reunião. Com o tempo aprendi
a não convocar os que apenas contemplavam, os negativos, os
enfadados, que ficavam felizes por serem excluídos daquelas "roubadas".
Mas o que a princípio pareceu-lhes um alívio - ser poupados
daquelas "reuniões chatas" - logo tornou-se motivo de preocupação. Não
participando, os contempladores ficaram de fora das tomadas de
decisão. Deixaram de fazer parte do grupo que definia os caminhos. Alguns
nem perceberam, mas dali a deixar de fazer parte da equipe era
questão de tempo.
Passei então a utilizar um mote com minha turma:
- Em minha equipe não quero vagão. Quero locomotiva. Gente que tem que ser
puxada não me interessa. Se eu tiver que repreender alguém, que
seja por algo que fez e não pelo que deixou de fazer.
No começo as pessoas pareciam não entender. Eu acenava para elas com uma
coisa chamada "liberdade", à qual elas não estavam acostumadas. Os
mais velhos tinham medo. Os mais novos tinham dúvidas. Alguns não
perceberam que aquela "liberdade" era irmã siamesa da "responsabilidade" e
botaram os pés pelas mãos. Outros souberam aproveitar a oportunidade e
alçaram vôo, para minha satisfação.
E aos poucos a equipe foi depurada até ter uma maioria capaz de entender
seu papel como agente ativo e compreender o impacto e influência de
suas atitudes no grupo. Foi então que as reuniões ficaram rápidas e
objetivas. Não raro, desnecessárias.

Moral da história: navegamos pela vida como que num cruzeiro a bordo de um
navio enorme e divertido. Dentro dele existem milhares de
passageiros e centenas de tripulantes. Os passageiros tomam sol,
divertem-se, descansam e contemplam. Acordam tarde, vão para a piscina,
fazem compras no shopping, dançam nos bailes e jantam com o comandante.
Passageiros exigem bom tratamento, reclamam da bebida quente, da
comida demorada e da toalha que não está sequinha.
É muito bom ser passageiro!

Mas quem define para onde, como e quando o navio vai, são os tripulantes.

Texto de Luciano Pires,
Gravura de Theodoro de Bry, 1.592, "Dança dos Tupinambás".