Os psicopatas são os novos heróis do cinema e da tevê
A extrema maldade de Flora na novela A Favorita nos faz indignados e fascinados. Patrícia Pilar está dando um show, como também Glória Pires fez no passado com Maria de Fátima em Vale Tudo, que iniciou a leitura da psicopatia brasileira. Ela está em toda parte, na política principalmente, na busca louca do sucesso, na fuga do anonimato e em
sua decorrência: o crime.
Antigamente, nos romances e filmes, nos identificávamos com as vítimas; hoje, nos fascinamos com os vilões. Não torcermos mais pelos mocinhos - torcemos pelos bandidos. Por que? Bem, porque os psicopatas são o nosso futuro, a vida moderna nos levará a isso. Pensem no último Coringa, do Batman, interpretado pelo falecido Heath Ledger.
Diante dos cadáveres, da miséria, do cinismo, somos levados a endurecer o coração, endurecer os olhos, a ser cínicos em busca de um funcionamento comercial. Do contrário, seremos descartados, tirados de linha como um carro velho.
A sociedade está parindo legiões de psicopatas, muitos disfarçados de chiques ou light. Nem todo psicopata esquarteja mulheres no parque. O livro Mentes Perigosas, da psiquiatra Ana Beatriiz B. Silva, nos dá medo: a cada 25 pessoas, uma é psicopata. Podem passar a vida toda tranquilamente, prejudicando os outros, sem nunca serem descobertas.
O psicopata light, que não faz picadinho de ninguém, tem as mesmas molas que movem o esquartejador. Ele parece muito sadio e simpático. Não é nervoso nem inseguro. Tem encanto e inteligência; sem afetividade ou culpa para atrapalhar, tem uma espantosa capacidade de manipulação dos outros, pela mentira, sedução e, se precisar, pela chantagem.
Questionado ou flagrado, o psicopata sempre se acha inocente ou vítima do mundo, do qual tem de se vingar. Ele, em geral, não delira. Suas ações mais absurdas e crueis são justificadas como lógicas, naturais, já que o outro não existe. Não sente nem remorso nem vergonha do que faz (o que nos dá uma secreta inveja). Ele mente compulsivamente, muitas vezes acreditando na própria mentira, para conseguir poder. Seu fraco amor aparece apenas como posse ou controle. Não olha para dentro de si, nem aprende com a experiência, simplesmente porque acha que não tem nada a aprender.
O psicopata não deprime. Ele atua e pode fazer muito sucesso num mundo onde a alegria falsa e maníaca é obrigatória. Estes tempos de alegria obrigatória são sopa no mel para os psicopatas, os chamados psicóticos sãos como os nomeiam alguns psicanalistas hoje.
Hoje em dia é proibido sofrer. Temos de funcionar, temos de rir, de gozar, de ser belos, magros, chiques, tesudos, em suma, temos de ser uma mímica dos produtos de qualidade total. Para isso, há o Prozac, o Viagra, os uppers, os downers; senão, nos encostam como arcaicos. "A depressão não é comercial", disse-me uma bichinha chorando, um costureiro à beira do suicídio que tinha de sorrir sempre, para as freguesas, para as fotos, senão perdia a clientela e a fama.
No entanto, a depressão importa. A melancolia é fundamental para a criação e para a felicidade. Estamos erradicando uma força cultural brutal, a musa por trás de muita arte, poesia e música. Estamos aniquilando a melancolia.
Há uma nova ciência, a ciência da felicidade. Parece realmente ser uma era de perfeito contentamento, um grande mundo novo de sorte persistente, alegria sem problemas, felicidade sem penas. Mas sem um desencanto com o sentido da vida, sem um ceticismo crítico, sem a morte no pensamento, ninguém chega a uma reflexão decente.
A melancolia, longe de ser uma mera doença ou fraqueza de espírito, é quase um convite milagroso para transcender
este status quo banal e imaginar as inimagináveis possibilidades de existência. Sem melancolia, a Terra iria provavelmente se congelar num estado fixo, tão previsível como o metal. Só com a ajuda da angústia constante este mundo à beira da morte pode ser transformado, reavivado, levado ao novo.
Quando nós, com aparente felicidade, nos seguramos numa ideologia qualquer, este mundo subitamente parece entrar numa coerência estática, uma divisão rígida entre o certo e o errado. O mundo, dessa forma, torna-se desinteressante, morto.
No Brasil, com a crise das utopias e com a exposição brutal de um escândalo por dia, com a propaganda estimulando a ridícula liberdade para irrelevâncias, temos o indivíduo absolutamente sozinho. Isso leva a um narcisismo desabrido, base da psicopatia. Somos hoje sem limites morais em luta por um lugar ao sol. Ou pela fama ou por um golpe na praça. Queremos ser ricos ou famosos. A sobrevivência moderna precisa do crime, cada vez mais.
E esse comportamento está deixando de ser uma exceção. O psicopata é um prenúncio do futuro, quando todos seremos assim para sobreviver. A velha luta pela ética, pela paz, pela solidariedade está virando uma batalha vã. Esses sentimentos humanos só foram possíveis historicamente. Raros foram os momentos em que vicejaram. Os chamados comportamentos humanos estão se esvaindo na distância. O que é o humano hoje? O humano está virando apenas um lugar-comum para uma bondadezinha submissa, politicamente correta. O humano é histórico também. Talvez não haja mais lugar para esse conceito, que é mutante. Somos máquinas desejantes que nos transformamos com o tempo e a necessidade.
Antes, os psicopatas tocavam num mistério que não queríamos conhecer. Tínhamos medo deles. Hoje, temos de competir com os psicopatas, que em geral nos vencem, com sua eficiência, rapidez e falta de escrúpulos. Estamos vendo que essa antiga doença vai acabar virando uma virtude no futuro.
Ficou arcaica a idéia de compaixão e um dia seremos tocados pela graça da insensibilidade. Como os psicopatas. Temos de esfriar o coração para viver no Brasil. Por enquanto ainda falamos Que horror!, mas um dia chegaremos a um coração perfeitamente frio. Um dia seremos todos psicopatas.
A extrema maldade de Flora na novela A Favorita nos faz indignados e fascinados. Patrícia Pilar está dando um show, como também Glória Pires fez no passado com Maria de Fátima em Vale Tudo, que iniciou a leitura da psicopatia brasileira. Ela está em toda parte, na política principalmente, na busca louca do sucesso, na fuga do anonimato e em
sua decorrência: o crime.
Antigamente, nos romances e filmes, nos identificávamos com as vítimas; hoje, nos fascinamos com os vilões. Não torcermos mais pelos mocinhos - torcemos pelos bandidos. Por que? Bem, porque os psicopatas são o nosso futuro, a vida moderna nos levará a isso. Pensem no último Coringa, do Batman, interpretado pelo falecido Heath Ledger.
Diante dos cadáveres, da miséria, do cinismo, somos levados a endurecer o coração, endurecer os olhos, a ser cínicos em busca de um funcionamento comercial. Do contrário, seremos descartados, tirados de linha como um carro velho.
A sociedade está parindo legiões de psicopatas, muitos disfarçados de chiques ou light. Nem todo psicopata esquarteja mulheres no parque. O livro Mentes Perigosas, da psiquiatra Ana Beatriiz B. Silva, nos dá medo: a cada 25 pessoas, uma é psicopata. Podem passar a vida toda tranquilamente, prejudicando os outros, sem nunca serem descobertas.
O psicopata light, que não faz picadinho de ninguém, tem as mesmas molas que movem o esquartejador. Ele parece muito sadio e simpático. Não é nervoso nem inseguro. Tem encanto e inteligência; sem afetividade ou culpa para atrapalhar, tem uma espantosa capacidade de manipulação dos outros, pela mentira, sedução e, se precisar, pela chantagem.
Questionado ou flagrado, o psicopata sempre se acha inocente ou vítima do mundo, do qual tem de se vingar. Ele, em geral, não delira. Suas ações mais absurdas e crueis são justificadas como lógicas, naturais, já que o outro não existe. Não sente nem remorso nem vergonha do que faz (o que nos dá uma secreta inveja). Ele mente compulsivamente, muitas vezes acreditando na própria mentira, para conseguir poder. Seu fraco amor aparece apenas como posse ou controle. Não olha para dentro de si, nem aprende com a experiência, simplesmente porque acha que não tem nada a aprender.
O psicopata não deprime. Ele atua e pode fazer muito sucesso num mundo onde a alegria falsa e maníaca é obrigatória. Estes tempos de alegria obrigatória são sopa no mel para os psicopatas, os chamados psicóticos sãos como os nomeiam alguns psicanalistas hoje.
Hoje em dia é proibido sofrer. Temos de funcionar, temos de rir, de gozar, de ser belos, magros, chiques, tesudos, em suma, temos de ser uma mímica dos produtos de qualidade total. Para isso, há o Prozac, o Viagra, os uppers, os downers; senão, nos encostam como arcaicos. "A depressão não é comercial", disse-me uma bichinha chorando, um costureiro à beira do suicídio que tinha de sorrir sempre, para as freguesas, para as fotos, senão perdia a clientela e a fama.
No entanto, a depressão importa. A melancolia é fundamental para a criação e para a felicidade. Estamos erradicando uma força cultural brutal, a musa por trás de muita arte, poesia e música. Estamos aniquilando a melancolia.
Há uma nova ciência, a ciência da felicidade. Parece realmente ser uma era de perfeito contentamento, um grande mundo novo de sorte persistente, alegria sem problemas, felicidade sem penas. Mas sem um desencanto com o sentido da vida, sem um ceticismo crítico, sem a morte no pensamento, ninguém chega a uma reflexão decente.
A melancolia, longe de ser uma mera doença ou fraqueza de espírito, é quase um convite milagroso para transcender
este status quo banal e imaginar as inimagináveis possibilidades de existência. Sem melancolia, a Terra iria provavelmente se congelar num estado fixo, tão previsível como o metal. Só com a ajuda da angústia constante este mundo à beira da morte pode ser transformado, reavivado, levado ao novo.
Quando nós, com aparente felicidade, nos seguramos numa ideologia qualquer, este mundo subitamente parece entrar numa coerência estática, uma divisão rígida entre o certo e o errado. O mundo, dessa forma, torna-se desinteressante, morto.
No Brasil, com a crise das utopias e com a exposição brutal de um escândalo por dia, com a propaganda estimulando a ridícula liberdade para irrelevâncias, temos o indivíduo absolutamente sozinho. Isso leva a um narcisismo desabrido, base da psicopatia. Somos hoje sem limites morais em luta por um lugar ao sol. Ou pela fama ou por um golpe na praça. Queremos ser ricos ou famosos. A sobrevivência moderna precisa do crime, cada vez mais.
E esse comportamento está deixando de ser uma exceção. O psicopata é um prenúncio do futuro, quando todos seremos assim para sobreviver. A velha luta pela ética, pela paz, pela solidariedade está virando uma batalha vã. Esses sentimentos humanos só foram possíveis historicamente. Raros foram os momentos em que vicejaram. Os chamados comportamentos humanos estão se esvaindo na distância. O que é o humano hoje? O humano está virando apenas um lugar-comum para uma bondadezinha submissa, politicamente correta. O humano é histórico também. Talvez não haja mais lugar para esse conceito, que é mutante. Somos máquinas desejantes que nos transformamos com o tempo e a necessidade.
Antes, os psicopatas tocavam num mistério que não queríamos conhecer. Tínhamos medo deles. Hoje, temos de competir com os psicopatas, que em geral nos vencem, com sua eficiência, rapidez e falta de escrúpulos. Estamos vendo que essa antiga doença vai acabar virando uma virtude no futuro.
Ficou arcaica a idéia de compaixão e um dia seremos tocados pela graça da insensibilidade. Como os psicopatas. Temos de esfriar o coração para viver no Brasil. Por enquanto ainda falamos Que horror!, mas um dia chegaremos a um coração perfeitamente frio. Um dia seremos todos psicopatas.
Texto: Arnaldo Jabor
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