domingo, 27 de janeiro de 2008

Não sei onde anda meu Pierrô


Não sei onde anda o meu pierrô. O terno, pendurado no cabide. A pasta, encostada no canto do sofá. O computador, ainda aberto, com a última página escrita, evidência silenciosa de sua dedicação ao novo romance. Saiu, com certeza, o corpo levado pelo som das cuícas e tamborins que repicam insolentes na rua. Não há vinho no balde de gelo, música suave na sala, nem canapés de geléia de damasco com queijo brie, que ele prepara como um verdadeiro chef. Nenhum sinal de espera ou de certeza da minha vinda. Quem sabe foi por aí se acabando num cordão, de reco-reco na mão, transpirando em cada poro a poeira do escritório, o sono das tantas noites de vigília sobre a criação, as perdas, as incompreensões, os afastamentos ...

Não sei onde anda o meu pierrô. Se cercado da cerveja, dos amigos igualmente pierrôs fugitivos de suas colombinas, ou entrelaçado a uma cintura fina e nua, balançando, desentoando marchinhas, esquecendo... O mesmo ritual todos os anos e ainda assim a perplexidade, a dúvida se depois da quarta-feira ele ainda é pra mim, sem camisa amarela, sem fantasia, nos outros trezentos e tantos dias. Percebo desta vez o aparelho de barbear sobre a pia, restos de talco no chão e o perfume masculinamente inconfundível no ar. Cheiro de homem limpo, de homem livre, pronto para os caminhos do desejo. Choro. Choro a inquietação do desconhecido e o medo dessa liberdade. Choro esse fascínio alucinante do carnaval que transforma os pierrôs românticos e os carrega para o sonho e a ilusão onde tudo é permitido. Choro pelo confete e a serpentina que vão se derramar na sua cabeça libertando, rompendo laços, fascinando ...
Súbito descubro a fantasia dobrada ainda na cadeira da sala. Não era verdade, saiu para comprar algo e já, já está de volta. No meio do pranto e do riso, a porta se abre e suado, envolto em cordão de havaiana, ele me toma pela mão, me beija apressado e me diz: “Desculpe, querida, eu só vim buscar o meu pierrô!”

Texto: Ângela Belmiro

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