sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Abaixo o Mau Humor


Mau humor, felizmente, não é minha praia.
Por isso, estranho muito aqueles dias em que a irritação contamina meu modo de ver o mundo e tratar as pessoas. Mas tive vários dias assim nos últimos meses - e fui resgatada por uma combinação peculiar de acontecimentos: um tratamento com antibióticos e um convite para um programa de TV sobre o mau humor.
Como falar sobre o mau humor (ou qualquer outro tópico) requer primeiro uma definição, encontrei-me criando uma, já que os dicionários não ajudaram. Vejamos: sabemos por experiência própria que o mau humor é um estado desagradável de irritabilidade. Se essa palavra não diz muito sobre o cérebro, o que a acompanha é mais bem conhecido pela neurociência: uma propensão à raiva e à agressividade.
O mau humor, portanto, deve ser um estado de predisposição a reagirmos com agressividade, ironia e impaciência a comentários e situações que normalmente não nos tirariam do sério.
A agressividade, por sua vez, emerge de zonas antigas do cérebro que controlam comportamentos sociais, incluindo a amígdala e o hipotálamo. Nas horas certas, respostas impulsivamente agressivas têm sua função: demarcam nosso território, protegem nossa integridade, enfrentam quem nos ameaça. Mas, se a ameaça não é real ou se uma resposta agressiva não é uma boa idéia, o córtex pré-frontal tenta inibir nossos impulsos - e de uma maneira, aliás, que depende de serotonina.
Por isso, antidepressivos que modificam os níveis de serotonina no cérebro são eficazes para controlar a raiva, a agressividade e o mau humor desajustados.
Claro que cada um tem suas tendências e uma facilidade maior ou menor de espantar o mau humor causado por operadores de telemarketing, fechadas de carro, barulho e até variações hormonais. Aliás, o mau humor, se passageiro e controlável, não é doença. Mas pode ser causado por uma, como eu descobri.
Ao tratar com antibióticos uma sinusite que durava meses e me fazia passar os dias com a sensação de que dois dedos me afundavam a face, amanheci um dia achando o mundo... belo. Não havia mais pressão no rosto nem dor - nem a necessidade de policiar ímpetos raivosos.
Com a cabeça agora clara, pensar no assunto fez cair a ficha: meu problema dos dias anteriores, tão estranho para mim, era mau humor, causado provavelmente por interleucinas produzidas pelo meu sistema imune em resposta a uma infecção. A sinusite, literalmente, me subiu à cabeça.

Texto de SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do site "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (http://www.cerebronosso.bio.br/)

Nenhum comentário: